sábado, 17 de abril de 2010

Massacre de Eldorado dos Carajás completa 14 anos com responsáveis em liberdade

Guilherme Balza do UOL Notícias - Em São Paulo - 17/04/2010

A operação que resultou no massacre de Eldorado dos Carajás (PA), no qual 19 sem-terra foram mortos e 79 mutilados ou feridos pela polícia na rodovia PA-150, em 17 de abril de 1996, envolveu ao menos 155 policiais militares. Além deles, tiveram participação indireta no episódio o então governador, Almir Gabriel (ex-PSDB), e o secretário de Segurança, Paulo Sette Câmara --que não foram julgados pelos crimes.

A sem-terra Andreina Araújo, com o filho no colo, chora a morte do marido à beira de sepultura no cemitério de Curionópolis (PA), na época do massacre.

Militante do MST faz ato de protesto contra a impunidade dos responsáveis pelas mortes dos 19 trabalhadores, em frente ao Supremo Tribunal Federal, na data em que se lembrou 10 anos. Após Carajás, ao menos 180 morreram em conflitos no campo no PA; Estado é o mais violento do país.

De todos os envolvidos, 146 policiais foram indiciados criminalmente, e o coronel Mário Collares Pantoja e o major José Maria Pereira de Oliveira foram condenados à pena máxima de detenção pelo Tribunal do Júri de Belém, em junho de 2002. Porém, 14 anos depois do massacre, tanto Pantoja, quanto Oliveira, permanecem em liberdade, já que em 2005 ambos conseguiram no STF (Supremo Tribunal Federal) o habeas corpus para aguardarem o fim do processo.

A concessão foi decidida pelo ministro Cezar Peluso --indicado pelo presidente Lula para o cargo--, que será empossado presidente do Supremo na próxima sexta-feira (23), em substituição a Gilmar Mendes. O último recurso da defesa dos condenados aguarda julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ), sem previsão de data para acontecer. “Esses nunca vão ser presos. Eles são o Estado, têm dinheiro, contratam os melhores advogados”, afirma Antonio Alves de Oliveira, 50, conhecido como “Índio”, um dos sobreviventes do massacre.

Duas das três balas que atingiram Índio permanecem alojadas no seu corpo: uma no joelho e outra no calcanhar. A terceira, que atingiu sua coxa, foi removida na época. “A gente vive em um estado de miséria e calamidade tão grande que não confio na saúde pública. Por isso não arrisquei tirar as balas. Elas continuam no mesmo lugar, provocando as mesmas dores, as mesmas infelicidades”, diz o sem-terra.

O promotor Marco Aurélio Nascimento, um dos representantes do Ministério Público Estadual que atuaram no caso, vê no processo de Carajás mais um exemplo de desprestígio dos órgãos de primeira instância da Justiça. “As decisões [em primeira instância] não são cumpridas, e as pessoas ficam recorrendo. No Brasil há uma infinidade de recursos. Os processos nunca se encerram”, afirma.

O massacre

Em 17 de abril de 1996, os sem-terra, liderados pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), bloqueavam a rodovia para protestar contra a demora do poder público em desapropriar terras na região. Os protestos já duravam uma semana. Do gabinete de Almir Gabriel partiu a ordem para “desobstruir” a via; Sette Câmara reforçou a orientação e autorizou o uso da força para tirar os manifestantes da rodovia.

Pantoja disse, em seu depoimento no Tribunal do Júri, que tentou argumentar com seus superiores para que a tropa de choque da PM fosse chamada para a operação, já que seus comandados não teriam condições para cumprir a ordem. Porém, orientado a seguir com a desobstrução, o coronel partiu de Marabá com policiais munidos de armamentos pesados. No lado oposto da PA-150, a partir de Parauapebas, vieram os comandados de Oliveira, também fortemente armados.

Na curva do S, onde a multidão se aglomerava, os PMs utilizaram bombas lacrimogêneo para liberar a rodovia. Os sem-terra revidaram atirando pedras, paus e foices em direção dos policiais. Acuados, alguns PMs atiraram em direção aos manifestantes. Apesar dos tiros, a maioria das mortes não ocorreram no momento do enfrentamento, e sim alguns instantes depois, quando os trabalhadores já estavam rendidos.

O laudo da perícia constatou que a maior parte dos crimes tiveram características de execução, algumas delas com requintes de crueldade. Além das mortes, dezenas de trabalhadores sofreram ferimentos graves resultantes do uso de armas brancas pelos policiais. “Depois que os sem-terra foram dispersos que as execuções começaram. As vítimas foram mortas sem condições de defesa”, afirma o promotor.

Indenizações

De acordo com Índio, as famílias das vítimas recebem mensalmente do Estado um salário mínimo (R$ 510, atualmente) de indenização --cerca de 10% do valor que o diretor de teatro José Celso Martinez Correa receberá de pensão vitalícia por ter sido perseguido pela ditadura, além da parcela fixa de R$ 596 mil que ele já recebeu.

No momento da entrevista ao UOL Notícias, Índio completava o 18º dia em Belém, onde ele e outros sobreviventes do massacre aguardavam o desfecho do trâmite na Justiça para a liberação de R$ 20 mil para cada sem-terra mutilado em Eldorado dos Carajás.

Segundo Índio, os sobreviventes compartilham de um mesmo sentimento a cada aniversário do massacre. “O que nós sentimos é um massacre psicológico. É uma coisa que nunca vai sair da mente das pessoas. Abalou, mudou várias histórias no país. A gente se sente como se fosse no dia”, diz.

A reportagem do UOL Notícias entrou em contato com o coronel Pantoja, mas o réu desligou o telefone quando questionado sobre o massacre. Já o major José Maria afirmou não querer se manifestar sobre o episódio. Almir Gabriel também foi procurado, mas a reportagem não conseguiu localizá-lo.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Entidades fazem denúncia na ONU contra construção da Hidrelétrica de Belo Monte

Gilberto Costa Da Agência Brasil* Em Brasília - 02/04/2010 - 16h05

Cem entidades civis que representam 40 comunidades de 11 municípios do Pará apresentaram um documento de 20 páginas a sete relatores da Organização das Nações Unidas (ONU). Eles denunciam supostas violações de direitos humanos causadas pela possível construção da Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingú.

O leilão para a construção da hidrelétrica está previsto para o dia 20 de abril. A usina será a segunda maior do país e a terceira do mundo e terá capacidade instalada de geração de mais de 11 mil Megawatts (MW). A hidrelétrica formará dois reservatórios de 516 quilômetros quadrados (km²). Segundo as entidades, os lagos da represa inundarão área onde se localizam 30 terras indígenas legais e afetará um terço do município de Altamira (PA), onde vivem 20 mil pessoas.

Para Andressa Caldas, diretora da organização não governamental Justiça Global, o licenciamento ambiental da hidrelétrica “sofreu pressão política” e fere a Convenção nº 169, sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em abril de 2004.

De acordo com o Artigo 15 da convenção, “os governos deverão estabelecer ou manter procedimentos com vistas a consultar os povos interessados, a fim de se determinar se os interesses desses povos seriam prejudicados, e em que medida, antes de se empreender ou autorizar qualquer programa de prospecção ou exploração dos recursos existentes em suas terras.”

O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) realizou quatro audiências públicas com a participação de indígenas no ano passado e o presidente do instituto, Roberto Messias, se reuniu em Brasília com lideranças dos povos. Para os movimentos sociais, o número de audiências foi insuficiente e por isso reivindicam a realização de mais 13 encontros.

No começo do mês de março, o juiz federal de Altamira, Antônio Campelo, reconheceu a validade das audiências realizadas pelo Ibama e apontou no despacho que não vislumbrava “necessidade de realização de audiências em todas as comunidades atingidas”.

A denúncia na ONU ocorre após as entidades civis não terem conseguido na Justiça suspender a licença prévia concedida pelo Ibama em 1º fevereiro deste ano. À época, o bispo de Altamira, dom Erwin Krautler, disse em entrevista à Rádio Nacional da Amazônia que a licença não era oportuna, pois “o projeto arrasa com toda a região”. Segundo ele, “esse projeto não vai ser o único, vai ser seguido por outros projetos”. A organização não governamental Internacional Rivers aponta que há mais de cem grandes barragens planejadas para os rios da Amazônia.

O Ibama informou à Agência Brasil que a licença prévia só saiu após o instituto receber parecer favorável da Fundação Nacional do Índio (Funai). A licença, que não autoriza o início da obra mas apenas o leilão, tem 40 condicionantes entre elas uma que exige a criação de novas unidades de conservação na região.



*Colaborou Leandro Martins, repórter da Rádio Nacional da Amazônia